sábado, 23 de maio de 2020

A CAMPONESA E O PIRATA

Quantas vezes vou ter que ser clichê? Eu tento fugir disso. Não tenho vocabulário suficiente pra descrever a saudade. Talvez se eu fosse uma camponesa que esperou fielmente o marido que partiu pra guerra. Aquela que cuida de seu jardim todo final de tarde, faz um chá e escreve cartas para seu soldado. Talvez assim eu pudesse descrever a saudade.

Talvez se eu fosse um pirata, que passou semanas em mar aberto, e que durante as tempestades, cantarolou as músicas que a ouvia cantarolando de manhã, porque essa lembrança despertava uma fagulha de calmaria. Talvez assim eu pudesse expressar a saudade.

Mas quanto mais me esquivo do clichê, mais ele me parece razoável. Repetitivo até. Sabe, meu bem, você não merece minhas palavras repetidas, minha tentativa falha de racionalizar algo tão intuitivo, As palavras que procuro são inalcançáveis. Então me restaria inventar novas. Só o neologismo seria criativo suficiente para algo tão genuíno que trafega nas minhas subjetividades.

Sinto saudades da obra de arte ambulante que tem nos teus andares. Das orquestras sinfônicas das tuas falas. Dos teus suspiros. Da tua aquarela que colore qualquer dia cinzento. Da tua dramaturgia sem ensaio. Você é meu frio da barriga antes das cortinas se abrirem. Meu mar. Minha flor. É cheiro de campo molhado de chuva. É a queda segura do tobogã. É meu abraço demorado. É todo conforto que não pode ser comercializado, que não passa na propaganda, que não aparece no feed, porque não é uma projeção do que precisa ser. Apenas é. É um espetáculo. É meu romance favorito. É Lisbela. Uma canção de Caetano. Um quadro de Susano. É meu Cirque Du Soleil particular.

Olha, meu bem, talvez eu tenha caído no clichê de novo, igual as músicas que estou ouvindo enquanto garimpo as palavras pra te escrever. Espero ansioso a hora de dormir, pois nos sonhos te encontro. A camponesa e o pirata lidaram melhor com a solidão. Eles guardaram seus amores em lugares seguros dentro da memória e eram regidos pela força do reencontro. E essa força me impulsiona nos dias ruins e me alegram nos dias normais. Te vejo em breve para novos primeiros beijos, novas descobertas, novas composições e novas invenções. Para que a arte de estar junto alimente esses dois artistas.